Se me permitem, vou invocar dois poetas contemporâneos portugueses que exploraram versões divergentes do legado de Camões. O primeiro é Jorge de Sena, que viveu no século XX em Portugal, Brasil e EUA, e foi um camonista obsessivo, enquanto académico e poeta. Em 1963, no importante volume Metamorfoses, que lançou a voga da poesia ecfrástica em Portugal nos últimos 50 anos, Sena recorre a um busto de Camões pelo escultor brasileiro Bruno Giorgi, para produzir uma suposta écfrase (e na verdade muito falsa, já que do que se trata é de fazer de Camões uma persona dramática), que se concretiza no poema
CAMÕES DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes. Continue reading